Da FOLHA

Por JANIO DE FREITAS

Medidas duras contra governadores só podem ser intervenções. Não terá sido ocasional a presença da expressão estado de sítio antes da ameaça

ressurgimento de Lula da Silva, prestigiado até pela atenção da CNN americana, simultâneo a outros fatos de aguda influência, levam Bolsonaro ao estado de maior tensão e descontrole exibido até agora.
Sua conversa com o ministro Luiz Fux e as palavras que a motivaram, centradas em referências dúbias a estado de sítio, tanto expuseram uma situação pessoal de desespero como o componente ameaçador desse desvairado por natureza. O pouco que Bolsonaro disse ao presidente do Supremo em sentido neutralizador conflita com a adversidade que cresce, rápida e envolvente, contra seu projeto.

Embora lerda como poucas, a investigação das tais “rachadinhas” de Flávio, além de outra vez autorizada, afinal vê surgir a do filho Carlos e encontra o nome Jair. O filho mais novo, ainda com os primeiros fios no rosto, inicia-se como investigado por tráfico de influência.

“Com crise econômica, o meu governo acaba” é a ideia que orienta Bolsonaro mesmo nos assuntos da pandemia. Nos quais não deu mais para manter a conduta de alienação e primarismo diante do agravamento brutal da crise pandêmica.

A reação de Bolsonaro foi a tontura do desesperado. Lula pega a bandeira da vacina, então é urgente pôr a vacina no lugar da cloroquina. Põe máscara. Tira máscara. Volta à cloroquina. Culpa os governadores. Mas o empurrado é Pazuello. Escreve carta solícita a Biden e recebe uma resposta de cobrança sobre meio ambiente. Volta à vacina. Falta vacina.

Se 300 mil mortes não importam a Bolsonaro, é esmagador o reconhecimento inevitável de que a vacina de João Doria veio a ser um pequeno salvamento e uma grande humilhação para o governo. E a economia decisiva? Inflação, necessário aumento dos juros, ameaça às exportações, fome, socorro em algum dinheirinho a 45 milhões e contra as contas governamentais.

Bolsonaro corre ao Supremo, com uma ação contra os governadores, pretendendo que sejam proibidos de impor confinamento e reduzir a atividade econômica ao essencial. Não sabe que o regime é federativo e isso o Supremo não teme confirmar.

“É estado de sítio. Se não conseguir isso [êxito no Supremo], vem medidas mais duras.” Medidas duras contra governadores só podem ser intervenções. Não terá sido ocasional a presença da expressão estado de sítio antes da ameaça. Tudo no telefonema e no que foi dito depois reduz a uma ideia: golpe.

Bolsonaro não se deu conta, no entanto, da variação já captada pelo Datafolha. Sua persistência contra a redução da atividade urbana não atende mais à maioria da sociedade. Sua demagogia perdeu-se nas UTIs. Apenas 30% dos pesquisados, nem um terço, recusam agora o isolamento, em favor da economia. E já 60% entendem que o confinamento é importante para repelir o vírus. O que é também repelir Bolsonaro.
Volta-se ao risco maior: a pandemia não matou a doença do golpismo.

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