Por decisão judicial, Andres Sanches, presidente do Corinthians, escapou de indenizar duas de suas ‘laranjas’, utilizadas no ‘golpe de arara’ da fictícia ‘Orion Embalagens’.

A pedida era de R$ 3,4 milhões, por danos morais e materiais.

Sentença da juíza Claudia Lacerda Mansutti, apesar de positiva, financeiramente, para o cartola, ao mesmo tempo o desmoraliza, assim como o depoimento das testemunhas, que deixaram claro o objetivo delituoso da operação.

O golpe lesou diversos fornecedores, além de instituições bancárias.

Para a magistrada, as ‘laranjas’, diferentemente do que apregoavam, estavam cientes de que participavam das falcatruas atribuídas a Sanches e seus familiares.

Cabe apelação.


Destacamos trechos relevantes da Sentença (os relatos das testemunhas são esclarecedores):

Em primeiro lugar, embora tenha sido reconhecida, em saneador, a ilegitimidade passiva das autoras para o pedido declaratório de nulidade da procuração outorgada aos corréus(fls.475/476), decisão aquela que não foi objeto de recurso, é de rigor resolver o mérito daquele pedido, com fulcro no artigo 488 do Código de Processo Civil.

Os pedidos são improcedentes.

Afirmaram as autoras, na inicial, que:

  • 1- a coautora Eliane era funcionária da empresa Sol Embalagens Plásticas Ltda, de propriedade dos corréus Andres e José, onde exerceu o cargo de Diretora de Recursos Humanos, durante 16 anos;
  • 2- a coautora Nilda é irmã de Eliane;
  • 3- os réus, aproveitando-se de relação de confiança existente entre as partes e da condição de subalterna da coautora Eliane, pediram às autoras que aceitassem assumir a sociedade de uma empresa, com o que concordaram;
  • 4- foi constituída a empresa Orion Embalagens Ltda, constando as coautoras como sócias, com endereço fictício de imóvel de propriedade da coautora Nilda;
  • 5- o corréu Andres garantiu que tal empresa tinha como único propósito o estoque de material da empresa Sol Embalagens;
  • 6- assinaram vários documentos para os réus, procuração pública, inclusive, para que eles pudessem dar andamento à empresa e para a aquisição de crédito bancário; e
  • 7- todos os atos de administração foram realizados pelos requeridos.

Segundo os corréus Andres, José e Isabel:

  • 1- eles exploram, há anos, o mercado de indústria, distribuição e comércio de sacolas plásticas e, em razão disso, criaram várias empresas, no Estado de São Paulo e em Brasília, através de franqueados ou de operações denominadas “management buyout”, em que gestores empregados adquirem total ou parcialmente unidades de negócio da empresa;
  • 2- nesse contexto, a coautora Eliane, diretora de RH da Sol Embalagens há 16 anos, transformou-se em proprietária de uma das lojas; e
  • 3- porém, como ela não tinha experiência em gestão financeira, outorgou procuração pública para os requeridos, para que estes a auxiliassem na gestão da empresa, por algum tempo.

Incontroverso, portanto, que as autoras concordaram em constar como únicas sócias da pessoa jurídica Orion Embalagens Ltda e, nessa condição, outorgaram, em nome da empresa, procuração pública(fls. 465/467) aos requeridos Andres, José e Isabel, para que atuassem como procuradores da Orion junto a instituições financeiras e perante as repartições públicas federais, estaduais, municipais, autárquicas e a Jucesp, com amplos poderes(conforme se verifica às fls.466/467).

Ora, se as autoras narram que concordaram com a constituição da pessoa jurídica Orion em seus nomes, só se pode concluir que conscientemente ingressaram no quadro societário da empresa.

Pouco importa se movidas pela relação de confiança que afirmaram existir entre as partes, em razão dos muitos anos(16 anos) de trabalho da autora Eliana como Diretora de RH da empresa Sol Embalagens Plásticas Ltda, da qual os corréus são sócios. São pessoas capazes para os atos da vida civil e consentiram com a participação de seus nomes no quadro societário da Orion de forma consciente.

Agiram por sua livre e espontânea vontade. E ao outorgarem, em nome da empresa Orion, na condição de sócias, procuração pública aos corréus com amplos poderes de representação, “para que eles pudessem dar andamento à empresa e para a aquisição de crédito bancário” demonstraram ter consciência de que ingressaram com participação de seu próprio nome em quadro societário de empresa cuja administração não lhes caberia, efetivamente, mas aos réus.

A prova oral coligida aponta nesse sentido de que os corréus exerciam a administração da Orion.

Arnaldo Rodrigues Batista, testemunha arrolada pelas autoras, afirmou conhecer a coautora Eliane desde 1992, porque trabalharam juntos na empresa Polyzaks.

Disse não ter conhecimento se as coautoras são sócias de alguma empresa.

Soube através das autoras que elas estão discutindo neste processo sobre a participação delas numa determinada empresa, cujo nome não soube declinar.

Afirmou conhecer a corré Itaiara da empresa Sol Embalagens, porque ele trabalhava no recebimento e expedição de mercadorias e a corré Itaiara na contabilidade.

O corréu José Sanchez era o dono da empresa e a corré Isabel trabalhava no financeiro. A autora Eliane trabalhava no RH.

Declarou conhecer a empresa Orion Embalagens: “acha que o sócio era o Sr. José Sanchez. Os sócios eram Andres Sanchez e José Sanchez. O Sr. Andres … A Sra. Isabel era responsável pelo financeiro da empresa Orion. A Sra. Eliane trabalhava no RH da empresa. Não sabe dizer quantos funcionários havia na empresa Orion.

Esclarece que para o depoente tudo era empresa Sol.

O depoente recebia notas fiscais de uma e de outra empresa.

Não sabe dizer qual era o relacionamento das autoras com os corréus. Não sabe dizer se as empresas Sol e Orion ainda estão ativas…. trabalhou nas empresas até 2007.

Depois de cessado o vínculo empregatício, foi convidado pelos corréus para abrir uma empresa de logística no nome do depoente.

O depoente concordou e a empresa AR foi aberta em nome dele e de sua esposa.

As notas fiscais que eram recebidas pelo depoente eram entregues ao corréu Andrés Sanchez.

A autora Eliana foi empregada das empresas Polysaks, Sol e Orion.

A corré Itaiara era a contadora dessas empresas.”(grifei -fls.548/549).

Fernanda Souza Gomes(fls.611/612), arrolada pelas autoras, declarou: ” conheceu a coautora Eliane em 2003, quando ingressou na empresa Sol Embalagens. Conheceu a coautora Nilda em uma das festas da empresa, pois era permitido aos funcionários que levassem os familiares e Nilda foi apresentada à depoente, como irmã de Eliane. Saiu da empresa em janeiro de 2007. Entrou na empresa como recepcionista, depois exerceu a função de auxiliar de expedição e, por último, de supervisora de expedição. A coautora Eliane era coordenadora de RH. Quando a depoente saiu da empresa, Eliane ainda trabalhava no local.

Soube, pela própria Eliane, quando foi contactada para ser testemunha, que ela teria assinado um contrato, acha que para abertura de empresa, mas a depoente não sabe dizer exatamente do que se trata.

Segundo Eliane, ela não é sócia de qualquer empresa. Ela estava se referindo à empresa Orion.

Havia um grupo de empresas, Sol Embalagens, Sol América e a Orion, pertencentes aos mesmos sócios, isto é, Andres Navarro Sanches, José Sanches Oller, Vanderlei Gomes Galego e Isabel Sanches Oller, segundo o conhecimento da depoente. As empresas situavam-se no mesmo endereço e as notas fiscais emitidas pelas empresas saiam de um mesmo departamento.

A corré Itaiara era responsável pela parte fiscal das três empresas. Isabel Sanches era responsável pelo financeiro da empresa, Andres Navarro era diretor industrial, o Sr. José era o presidente das empresas e o sócio Vanderlei atuava “mais na Orion”.

A depoente e os demais funcionários tinham acesso às três empresas mencionadas.

A depoente foi registrada pela Sol Embalagens.

A coautora Eliane era coordenadora de RH das três empresas.” (grifei) Carina Dias Ferrreira, arrolada pela autora e ouvida por precatória, disse que foi funcionária da Orion e da Sol. Na Orion era auxiliar de departamento pessoal. A corré Itaiara era chefe dela na Orion e, na Sol, a chefe era a coautora Eliane, que era gerente de recursos humanos.

As empresas ficavam no mesmo espaço. Não soube dizer quem eram os proprietários da Orion.(depoimento gravado/mídia depositada em Cartório – grifei).

A testemunha Ivanildo Barbosa, arrolada pelos corréus e ouvida por precatória, declarou que saiu da Sol em 2004 e voltou em 2006. Ficou na empresa até 2011.

Disse conhecer a Orion e “acha” que Eliane trabalhava na empresa. Isabel atuava no departamento financeiro e Itaiara no departamento contábil.

Disse desconhecer os proprietários da Orion e também não soube dizer quem eram os compradores da Orion, função esta que atribuiu à corré Itaiara, na empresa Sol. Hoje é proprietário de empresa sucessora da Sol.(depoimento gravado/mídia depositada em Cartório – grifei).

Idaiana Pasotti Santos, ouvida como informante do Juízo por se tratar da irmã da corré Itaiara(fls.951/952), declarou ter conhecimento de que as coautoras eram sócias da Orion e afirmou que Eliane era a administradora dessa empresa.

Evandro Blumer(fls.1024/1030), testemunha arrolada pela corré Itaiara e ouvida por precatória, declarou que é advogado e prestou serviços advocatícios para o Grupo Sol, entre 2009 e 2010, quando teve contato com a coautora Eliane por e-mail’s e telefone.

Disse que, nessa época, a empresa Orion já havia encerrado as atividades.

Afirmou que foi contratado para fazer um trabalho fiscal tributário e, pela documentação analisada, as irmãs Eliane e Nilda eram as sócias da empresa Orion e Eliane a administradora, bem como que esta última havia outorgado procuração aos corréus. Confirmou que a corré Itaiara era a contadora da Orion e das empresas do Grupo Sol e foi ela quem providenciou o encerramento da Orion.

Segundo a testemunha, constou, no encerramento do contrato social, que a corré entregou à coautora Eliane os livros contábeis, termo de encerramento e notas fiscais da empresa. (grifei)

A prova oral coligida corrobora a alegação de que os corréus exerciam a administração da Orion. Ocorre que o fato de os corréus exercerem a administração da empresa, por força da procuração que lhes foi outorgada, não subtrai da parte autora a responsabilidade pelos atos que os procuradores, em nome da empresa, praticaram, porque, ao ingressarem como sócias, as autoras assumiram o risco e a responsabilidade pelo negócio, não podendo pleitear exclusão das obrigações assumidas pela sociedade.

Nenhum dos elementos de prova dos autos indica vício de consentimento das autoras, seja em relação ao ingresso delas no quadro societário da Orion, seja em relação à outorga de procuração pública em nome da Orion, para os corréus.

Ao contrário, as próprias autoras expõem que ingressaram na sociedade movidas pela relação de amizade e confiança que afirmaram existir entre as partes, assinando “vários documentos para os Requeridos, inclusive procuração pública, para que dessem andamento na referida empresa”(fls.03).

Ora, se as autoras narram que concordaram com a constituição da pessoa jurídica Orion em seus nomes, só se pode concluir que conscientemente ingressaram no quadro societário da empresa.

Pouco importa se movidas pela relação de confiança que afirmaram existir entre as partes, em razão dos muitos anos(16 anos) de trabalho da autora Eliane como Diretora de RH da empresa Sol Embalagens Plásticas Ltda, da qual os corréus são sócios.

Agiram por sua livre e espontânea vontade.

Eram (e são) pessoas capazes para os atos da vida civil e consentiram com a participação de seus nomes no quadro societário da Orion de forma consciente e outorgaram aos corréus, validamente, em nome da empresa, a procuração que ora tentam anular.

E ao outorgarem, em nome da empresa Orion, na condição de sócias, procuração pública aos corréus com amplos poderes de representação, “para que eles pudessem dar andamento à empresa e para a aquisição de crédito bancário” demonstraram ter consciência de que ingressaram com participação de seu próprio nome em quadro societário de empresa cuja administração não lhes caberia, efetivamente, mas aos réus, os sócios de fato da empresa Orion, como concluiu a Receita Federal, no procedimento de verificação fiscal instaurado em face da referida empresa, para apuração do cumprimento de obrigações tributárias relativas ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica:

“Deste conjunto de evidências, infere-se que os sócios de fato da ORION eram os três procuradores, que decidiram constituir empresa, de baixíssimo capital social, com curto espaço de tempo de atividade, e em nome de uma fucionária, e tributar apenas módica fração de seu faturamento, em desfavor do Fisco”(último parágrafo de fls.37)

Trata-se de procedimento ilegal, simulado e, nessas condições, buscar a tutela judicial para se verem indenizadas por danos decorrentes da sujeição passiva solidária reconhecida em relação a elas naquele procedimento fiscal, beira a má-fé.

Em atenção aos princípios gerais de direito e da boa-fé, a ninguém é dado se valer de sua própria torpeza, em manifesto venire contra factum proprium.

No mesmo sentido já decidiu o E. TJSP em caso análogo: “Indenização. Reparação por dano moral e material. Apelante que aceitou constituir empresa de fachada em seu nome. Ciência deste ilícito que é contemporâneo à criação da sociedade. (…) Impossibilidade, no mais, de se alegar a própria torpeza. Venire contra factum proprium. Recurso desprovido.”(TJSP – Apelação nº 0630998-21.2008.8.26.0001 – Rel. Des. Teixeira Leite – 4ª Câmara de Direito Privado, julgado em 24/04/2014).

O nosso ordenamento jurídico não permite o comportamento contraditório, o que caracterizaria um “verdadeiro venire contra factum próprio, pelo qual não é permitido agir em contradição com comportamento anterior. (Menezes de Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, Coimbra: Almedina, 1997, p. 742/752; Laerte Marrone de Castro Sampaio, A boa-fé objetiva na relação contratual, coleção Cadernos de direito privado da Escola Paulista da Magistratura, Ed. Manole, p. 78/79)” (Ap. Cível 502.724-4/9-00, Catanduva, rel. Des. Francisco Loureiro).

Portanto, se as autoras aceitaram ingressar no quadro societário da Orion e, na condição de sócias, outorgaram procuração pública em nome da empresa dando aos corréus amplos poderes de representação da Orion, são responsáveis solidárias pelas obrigações assumidas em nome da empresa e não podem agora alegar prejuízos – em razão dos ilícitos tributários pelos quais autuada a empresa, com atribuição de responsabilidade às pessoas físicas dos sócios de fato e de direito(fls.74) – e se beneficiar de sua própria torpeza.

Ante o exposto e o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ELIANE SOUZA CUNHA e NILDA MARIA DA CUNHA contra ANDRES NAVARRO SANCHEZ, JOSÉ SANCHEZ OLLER, ISABEL SANCHES OLLER E ITAIARA PASOTTI.

Em razão da sucumbência, cabe às autoras o pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios dos patronos dos corréus, que fixo em 10% do valor atualizado da causa.

Por serem as autoras beneficiárias da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, a parte credora demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário (CPC, artigo 98, §§ 2º e 3º).

Em caso de recurso de apelação, ciência à parte contrária para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 15 dias úteis (art. 1.010 §1º do CPC). Após, subam os presentes autos

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