Da FOLHA

Por MATHIAS ALENCASTRO

Paixão americana deixou as relações internacionais do Brasil em frangalhos

Para o público, era o “casamento hétero” dos sonhos. O capitão queria refazer o mundo com o magnata. Mas, em privado, o romance nunca passou de uma miragem.

Logo nas primeiras semanas, Bolsonaro fraquejou na hora de bancar a escalada militar na Venezuela. O episódio contribuiu para a demissão de um dos principais fiadores da sua relação com Donald Trump, o beligerante John Bolton.

Acostumado a dividir a humanidade entre vencedores e fracassados, o presidente americano também ficou desiludido com a gestão calamitosa da crise da Amazônia, que ressuscitou um dos seus antagonistas, Emmanuel Macron.

Sinal mais recente do distanciamento, a conferência da Cpac deste fim de semana não passou de uma festa de condomínio cheia de figurinhas carimbadas. O convidado mais importante era um obscuro senador de Utah. Muito pouco para um evento apresentado como fundador de uma nova época nas relações Brasil-Estados Unidos.

Mergulhado numa guerra comercial e frustrado com a debacle de Binyamin Netanyahu em Israel, Trump passou a ver a revolução conservadora como uma prioridade secundária e até um embaraço.

Para complicar as coisas, o processo de impeachment tem na sua origem agentes externos dispostos a tudo para agradar ao presidente americano. Os republicanos passaram a abominar a ideia de contar com mais um embaixador voluntarista e inexperiente na pessoa de Eduardo Bolsonaro.

Além de serem ridículas, as constantes analogias matrimoniais de Bolsonaro revelam uma incapacidade profunda de entender a natureza das relações internacionais. Não são os líderes que se relacionam, são os Estados que cooperam. Nada se move com estardalhaços e berros, mas com longos e burocráticos processos.

Com base no sonho americano, o governo Bolsonaro tomou várias decisões estruturais e potencialmente desastrosas. Na questão da OCDE, por exemplo, o mais grave não é o atraso no processo de adesão, mas a perda de estatuto de país em desenvolvimento na OMC, que jamais poderá ser revertida.

Mais grave ainda, a paixão americana deixou as relações internacionais do Brasil em frangalhos. Na Europa, o presidente é persona non grata, e o acordo com a União Europeia é dado como morto e enterrado. Ele é visto pelos Brics como aquele cara que largou a família por uma aventura e agora quer voltar para casa. O problema é que a família saiu por cima. O Banco dos Brics finalmente decolou, e os sul-africanos ocuparam o vazio deixado pelos brasileiros.

Preocupados com a atitude brasileira na Venezuela, chineses e russos parecem pouco entusiasmados com a ideia de reacomodar o brasileiro errático. Bolsonaro se encontra em situação semelhante na América Latina, onde queimou as pontes com o futuro presidente da Argentina e alienou o seu mais competente aliado, Sebastián Piñera.

Na vida como na política, não se deve subir tom sem ter a garantia de que se pode ganhar a briga. Bolsonaro e os seus inexperientes diplomatas viraram a mesa em troca de uma promessa que jamais será cumprida. Agora fica a pergunta: tem alguém sobrando para dialogar com o presidente brasileiro?

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