Do ESTADÃO

Por UGO GIORGETTI

A história da compra do quadro de Picasso por Lula, técnico do Santos nos anos 60

O futebol sempre me assombra quando aparece inesperadamente de lugares insuspeitados. O caso é simples, noticiado na Folha de S.Paulo na segunda 29 de abril, em reportagem de Rogério Gentile. Envolve figuras conhecidas do futebol, que interessam a esta coluna. A começar pelo antigo técnico do Santos, Luiz Alonso Perez, o Lula. Foi, salvo engano, o treinador mais vitorioso da história do Santos. Treinava o grande time dos anos 60 que fazia tremer o mundo.

Pelo que me lembro, era um homem simples, de táticas elementares, que falava pouco sobre poucas coisas. Limitava-se a colocar em campo os gênios que tinha sob seu comando.

Também era gentil e atencioso, mas longe de ser uma figura notável por qualquer razão. Notável é o que foi encontrado em poder de sua família nos anos subsequentes à sua morte em 1972: nada menos do que um quadro de Pablo Picasso de uma fase particularmente feliz da carreira do pintor catalão. Sim senhores, um dos vários retratos de Dora Maar, mulher do pintor por alguns anos, jazia placidamente entre os pertences da família de Lula.

Para elucidar um pouco o leitor sobre o valor da obra, a matéria esclarece que, em 2006, outro retrato da mesma Dora Maar, de Picasso, alcançou a soma de US$ 96 milhões num leilão organizado pela Sotheby’s, de Nova York.

Não é necessário dizer que, uma vez descoberto o caso, desencadeou-se no interior da família de Lula uma certa, digamos, disputa pela posse da preciosidade. Essa disputa aparentemente não foi resolvida até hoje e a autenticidade do quadro, e mesmo sua existência real, são postas em questão por declarações e contra declarações da família. O desfecho não interessa muito, mas o transcorrer da história sim.

Em primeiro lugar, como Lula teve acesso ao quadro de Picasso? Um membro da família chega a declarar que Lula era um colecionador de arte. Será que, sob a camada de modéstia e bonomia que o distinguia, se escondia um outro Lula, erudito e refinado? Difícil saber. O fato é que há testemunhas e opiniões em grande quantidade e também documentos bizarros. Um deles, que nos interessa muito, é uma declaração por escrito, anexada ao processo que diz: “Eu, Edson Arantes do Nascimento, Pelé, declaro que estava presente com amigos comuns, em junho de 1960, na França, quando presenciei e presenciamos (sic) um encontro do pintor Pablo Picasso com o sr. Luiz Alonso Perez, o Lula”. Note-se, como curiosidade, o plural de “presenciei, presenciamos” que indica mais testemunhas do encontro. Bom, em 1960 Pablo Picasso há muitos anos era uma supercelebridade mundial, portanto, mesmo em tempos mais humanos, de acesso complicado. O que teria levado Picasso ao encontro com Lula?

Talvez Picasso fosse um fanático por futebol, não sei, talvez antifranquista e, longe de sua terra, o Santos lhe tenha despertado lembranças do Barça, para quem provavelmente torcia. São especulações. Mas, a crer em tudo isso, quanto Lula teria pago pelo quadro? Por que Picasso teria vendido a obra tão barato a ponto de poder ser comprada por Lula?

Uma das chaves desses mistérios certamente é Pelé, que pode se lembrar do episódio, e como ocorreu. Talvez se possa recorrer à memória prodigiosa de Pepe, que costumava anotar em seus cadernos acontecimentos os mais variados. À parte o fato de que está em jogo quase US$ 100 milhões, interessa desvendar como se relacionava o time do Santos nas milionárias excursões que fazia pelo mundo na época. Interessa saber que portas se abriam para aqueles atletas fantásticos que, na verdade, não iam jogar, mas se exibir na Europa. Esse caso pode ser uma das vezes que arte popular, o futebol, e arte erudita, a pintura de Picasso, estiveram cara a cara.

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