Por JOSÉ RENATO SÁTIRO SANTIAGO

Dia 15 de julho de 2018, na cidade de Moscou, capital da Rússia, ao centro de um campo de futebol no meio de uma chuva torrencial e inserida em um ambiente historicamente carimbado por ser masculino, impossível não saltar aos olhos a imagem da presidente croata Kolinda Grabar-Kitatovic. Próximo a ela, no entanto, havia outras mulheres, aliás uma coluna delas, devidamente uniformizadas, contratadas para moldar aquele cenário. Assim como Kolinda, elas enfrentavam bravamente, sem perder a classe aquela chuva, enquanto que as demais autoridades, todas masculinas, eram protegidas por guarda-chuvas segurados por seus assessores. A cena vista em Moscou na final da Copa do Mundo de 2018 é apenas mais uma lição que o futebol nos dá. Aliás, que a vida nos presenteia.

Primeira presidente mulher eleita pela Croácia, país que enfrenta uma série crise econômica com uma taxa de desemprego que beira aos 20%, Kolinda, 50 anos, possui estreitas relações com líderes nacionalistas de seu país, algo natural para um povo que viveu, ao longo de sua história recente, parcos momentos de independência. Apenas para exemplificar, entre os anos de 1918 e 1991, os croatas chegaram a viver sob controle de governos nazi-fascistas, na época da II Guerra Mundial e, posteriormente, a fazer parte da antiga Iugoslávia. Períodos cinzentos de muito conflito sempre pautaram as vidas dos croatas e difícil encontrar algum deles que não tenha perdido algum ente ou amigo em muitos desses embates. Mas, eles sobreviveram. Os croatas são, certamente, ‘cascudos’. Aliás, sua seleção de futebol demonstrou isso para o mundo.

Uma bela mulher que governa um pequeno país com cerca de 4 milhões de habitantes e cuja seleção passou a ser, surpreendentemente, um dos detaques da maior competição esportiva do mundo. Esta verdade foi mais que oportuna para a adoção de práticas machistas, afinal beleza feminina parece não combinar com poder. A divulgação de fotos de uma modelo com um sumário biquini ganhou as redes sociais e com ela milhares de comentários com teor sexual, algo que só se rivalizou com as repugnantes cenas de brasileiros fazendo piadas grosseiras e misóginas contra russas. Em seguida, após a confirmação que não era de Kolinda as insinuantes fotos, ela se tornou a queridinha da imprensa após vir à público o fato dela ter arcado as despesas de sua ida até à Rússia para acompanhar aos jogos de sua seleção local. Na verdade, uma obrigação. Era frequente vermos a presidente trajando a quadriculada camisa alvirrubra croata em meio a elegantes autoridades, normalmente, vestindo protocolares ternos com cor escura.

Talvez aí tenha sido notado o grande exemplo de empatia da presidente com o seu povo. Em meio a escuridão, as cores. O obscuro e o sombrio, características de tantos conflitos e guerras vividos, são coisas que os croatas querem deixar lá no passado, e com eles construir um caminho de cores, iguais as da camisa de sua seleção. Mais que isso, todas as cores apresentadas por sua presidente. Que possamos rever em nossas mentes a cena. Ela, no meio de um campo de futebol, durante uma chuva torrencial, foi o sol de esperança para todos aqueles, ainda que não croatas, que a viram como um exemplo de liderança, uma prova viva da diferença entre liderar e ter poder. Atrás dela outras belas mulheres igualmente ‘desmontadas’ pela chuva enquanto que as autoridades masculinas não ‘desciam do salto’ tampouco se predisponham a compartilhar de seus guarda-chuvas. Todas aquelas mulheres ali presentes cumpriram com os papeis que lhe foram atribuídos.

Liderar é se colocar, verdadeiramente, no lugar dos outros, creio que ao longo dessa Copa do Mundo de 2018, muitos temos certa convicção em dizer quem fez isso.

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