A partir da esq., a chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente polonês, Andrzeji Duda, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, o premiê grego, Alexis Tsipras, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, e o presidente americano, Donald Trump, em encontro de líderes da Otan

Da FOLHA

Por CLÓVIS ROSSI

Presidente americano está criando o caos geopolítico e econômico

O novo choque entre Donald Trump e os aliados europeus dos EUA, acoplado ao segundo capítulo da guerra comercial com a China, sinaliza o fim do mundo como o conheci. Ou seja, como o conheceu a esmagadora maioria dos terráqueos, posto que não são muitos os que passam dos meus 75 anos.

Primeiro, relembro um pouco do mundo como o conheci, pós-Segunda Guerra Mundial e pós-Guerra Fria. Então, os EUA e seus aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) tratavam de “integrar a Rússia na esfera euroatlântica, econômica e politicamente, na esperança de que assim se conseguiria moderar o comportamento geopolítico de Moscou” (aspas de Judah Grunstein, editor-chefe da World Politics Review).

É verdade que a anexação da Crimeia pela Rússia de Putin dinamitou esse idílico projeto. Mas, ao mesmo tempo, tornou a construção chamada Otan ainda mais importante para conter o expansionismorusso. Putin, afinal, também quer fazer a Rússia grande de novo, o que implica não se deixar cercar pela Europa.

É essa construção que Trump enfraquece, para dizer o mínimo, ao chamar alguns dos países europeus que a integram de “caloteiros” por não contribuírem para a organização tanto quanto deveriam. O presidente americano até tem razão, porque apenas quatro deles (Grécia, Estônia, Reino Unido e Lituânia) gastam com defesa os 2% do PIB a que se comprometeram em 2014.

Trump foi além: pediu que seus aliados dobrem o gasto com defesa, o que é impraticável no curto e no médio prazo.

Consequência inescapável, como constata David Leonhardt, editor da newsletter de Opinião de The New York Times: “O presidente dos Estados Unidos está colocando em risco a aliança ocidental que fez tanto bem nas últimas sete décadas —e está dando conforto ao maior inimigo moderno do Ocidente, a Rússia de Putin”.

Volto então ao princípio: no mundo em que a maioria de nós viveu até agora, os Estados Unidos davam conforto à Europa e tentavam conter Putin. Trump está acabando com ele.

Pior: está colocando em risco também duas outras agendas da Otan que lidam com guerras mais modernas. É o caso de um papel mais destacado para o contraterrorismo no Iraque e do trabalho de contenção de novas ameaças no espaço cibernético.

Se já não fosse o suficiente, o americano está pondo em xeque também toda a construção comercial que o mundo sedimentou desde a criação do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, de 1947, transformado em 1995 em Organização Mundial do Comércio).

O aumento dos produtos chineses sobre os quais haverá imposição de tarifas é uma nova salva em uma guerra comercial —exatamente o que a OMC se esforça o tempo todo para evitar. Em 8 de março, quando Trump anunciou o primeiro lote de produtos chineses a serem alvejados, Edward Alden (do Council on Foreign Relations) já escrevia que era “o dia em que a OMC morreu”.

Agora, Martin Wolf, brilhante colunista do Financial Times, perde a paciência e escreve que “o líder do país mais poderoso do mundo é um perigoso ‘ignoramus’” e “criou o caos”.

Se Trump não voltar atrás, como várias vezes o faz, o novo mundo em fase de criação por ele é de fato caótico.

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