Bielsa, Capello e Tite

Da FOLHA

Por JUCA KFOURI

O treinador argentino Marcelo Bielsa, 61 anos, roubou a cena no seminário promovido pela CBF.

Ao lado de Tite e do italiano Fabio Capello, “El Loco” Bielsa revelou com extremo didatismo que de maluco não tem nada, embora os sonhadores sejam habitualmente catalogados como tal.

Gentil e atrevido, dissecou a seleção brasileira diante de Tite, não sem pedir correções caso fossem necessárias.

Ao expor o que vê como os dez esquemas táticos possíveis no futebol e suas variações, propôs que todos os times sejam preparados para usá-los, mas foi além, muito além.

Porque é antes de mais nada um idealista, alguém capaz de transformar a paixão pelo jogo em sacerdócio e de filosofar em castelhano ao ver no futebol um exercício permanente da ética no esporte.

Certamente as paredes do edifício José Maria Marin ficaram surpresas ao ouvi-lo defender com veemência a atitude de Rodrigo Caio, no que foi, diga-se, imediatamente parabenizado por Tite e olhado com desconfiança por Capello, um pragmático aborrecido.

Bielsa não tem o sucesso do italiano, provavelmente por ter vindo ao mundo um século antes do que deveria ter vindo.

Sem falsa modéstia recusou ver no conterrâneo Jorge Sampaoli um discípulo seu, porque o acha melhor do que ele, por mais flexível.

Corrigiu o técnico do Vasco, Milton Mendes, ao ouvi-lo usar a palavra disciplina, pois prefere falar em respeito: “Disciplina é vertical, respeito é horizontal”, ensinou a Mendes e a Capello.

Ao falar da necessidade de jogadores multifuncionais, os polivalentes de Cláudio Coutinho (1939-1981), divergiu, respeitosamente, do também argentino César Luis Menotti, seu mestre e treinador campeão mundial pela Argentina, em 1978, que é adepto das coisas certas nos lugares certos, “a cozinha no lugar da cozinha, o quarto no lugar do quarto, o banheiro no lugar do banheiro”.

Bielsa, que ganhou o ouro olímpico por seu país e foi campeão nacional tanto pelo Newell’s Old Boys quanto pelo Vélez Sarsfield, acha que nada tem a acrescentar ao futebol brasileiro, diferentemente do que fez no Chile, quando dirigiu a seleção local, único engano de sua apresentação.

Crítico ácido da imprensa, acusou os jornalistas de usarem os mesmos argumentos para elogiar vitórias ou criticar derrotas, isto é, em ver mérito num esquema quando triunfa e demérito no mesmo esquema quando derrotado. O pior é que tem razão…

Ao reconhecer que os jogadores chegaram ao auge do profissionalismo pediu que acrescentassem pitadas de amadorismo, para poder jogar com paixão e sentir o mesmo sentimento do torcedor.

Ao receber de Tite a camisa da seleção com seu nome nas costas, preferiu sair de fininho sem mostrá-la, exatamente por saber que o torcedor argentino não o perdoaria.

Quem o ouvir, e a fala está disponível no sítio da CBF, provavelmente nunca mais verá futebol do mesmo jeito e quererá vê-lo à frente de seu time de coração.

Não é à toa que Pep Guardiola sai da Europa para encontrá-lo em Buenos Aires.

Bielsa, definitivamente, está à frente de seu tempo e como todo visionário tinha mesmo de ser chamado de louco.

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