No último dia 16 de março, o TJ-SP absolveu o Blog do Paulinho da acusação de “divulgação de segredo”, imputada pelo ex-presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar.

Uma goleada: três a zero.

Os desembargadores seguiram didática sentença do relator, Dr. Laerte Marrone de Castro Sampaio, que esclarece, até para jurisprudência posterior, que, no contexto da matéria, a exposição do número de telefone, diferentemente da numeração de documentos, não é tipificada como crime no Código Penal.

A tese, aceita pelo TJ-SP, foi defendida, brilhantemente, em sustentação oral, pela Dra. Danúbia Azevedo.

Confira abaixo trechos que selecionamos da decisão:

“É o relatório

Consistente o recurso defensivo. E não prospera a irresignação ministerial. Na linha do que se segue.

A denúncia imputou ao acusado a divulgação de informações reservadas da Administração Pública: o número do telefone celular da vítima, além de alguns de seus dados cadastrais.

Conduta que afrontou “a inviolabilidade e segredo dos dados dos usuários, direito assegurado pela Lei nº 9.427/97, artigo 3º, V, VI e IX, assim como Resolução nº 426/05 da Anatel, art. 11, VI”.4.

Com relação aos dados cadastrais cabe observar, desde logo, que a edição de um provimento condenatório é inviável.

Em primeiro lugar porque a denúncia não explicita, como seria de rigor, ante o que encerra o artigo 41 do Código de Processo Penal, quais foram os dados cadastrais divulgados. Trata-se, neste ponto, de peça processual inapta para encetar a relação processual, na medida em que não descreve o fato criminoso com“todas as suas circunstâncias”, como está na dicção legal.

A omissão representa maltrato aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, obstaculizando uma decisão condenatória.

Além disso, segundo consta dos elementos de prova carreados aos autos, houve a divulgação apenas parcial dos dados cadastrais da vítima, não se concretizando a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a liberdade individual, que deve ser resguardada da indiscrição alheia.

Com efeito, foram divulgados apenas os 4 primeiros dígitos do CPF, a primeira palavra do endereço, o bairro,a cidade e o Estado, não sendo possível localizar a residência da vítima apenas com esses dados, nem utilizar o número do CPF para fins escusos.

No tocante ao número de telefone, indisputável nos autos que houve efetivamente a publicação (divulgação no sítio eletrônico) do número de telefone da vítima. Fato que, revelado pela prova documental, foi mesmo admitido pelo acusado.

Contudo, a conduta não configura ilícito penal.

O tipo penal incrimina a conduta de divulgar informações sigilosas ou reservadas definidas em lei.

Trata-se de norma penal em branco, no sentido de que “a exata compreensão do texto depende do exame das leis que determinam sigilo, como assuntos referentes à segurança nacional” (MÁRCIO BÁRTOLI e ANDRÉPAZIERI, Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial, Doutrina e Jurisprudência, em conjunto com outros autores, RT, 8ª edição, pág.765).

É preciso que a conduta do agente concretize a divulgação indevida de dado sigiloso ou reservado, tal como previsto em lei.

Em outras palavras, “é indispensável que a natureza sigilosa ou reservada das informações divulgadas indevidamente seja objeto de lei e lei em sentido estrito, sendo inadmissível sua equiparação a resoluções, portarias, regulamentos, etc” (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, Tratado de Direito Penal, Parte Especial, Saraiva, 6ª edição, pág. 442).

Ou seja, o sigilo deve ser determinado por norma elaborada pelo Poder Legislativo (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código Penal Comentado, RT,15ª edição, pág. 850).Nesta ordem de ideias, o artigo 3º, V, da Lei nº 9.472/97 dispõe sobre a inviolabilidade do conteúdo da comunicação telefônica, assim como a Constituição Federal, no seu artigo 5º, incisoXII, ou seja, não se refere ao objeto da imputação.

O inciso VI, do artigo 3º, da citada lei também mencionado na denúncia, efetivamente, garante a não divulgação do código de acesso “caso o requeira” o usuário. Além de ser norma dirigida basicamente à prestadora de serviços de telefonia, não há nos autos prova de que a vítima solicitou a não divulgação.

Por sua vez, o inciso IX, igualmente referidona inicial, versa sobre o respeito de sua privacidade nos documentos de cobrança e na “utilização de seus dados pessoais pela prestadora de serviço”, ou seja, não diz respeito especificamente ao caso dos autos.

Ou seja, não se entrevê que a conduta do acusado tenha afrontado disposição legal que vedasse, na situação concreta, a divulgação.

Neste sentido, em atenção ao princípio da legalidade que informa o Direito Penal, não se divisa que a ação do acusado configure crime.

Assim, o caso é de absolvição por atipicidade da conduta.

Ante o exposto: (i) dou provimento ao recurso defensivo para absolver Paulo Cezar de Andrade Prado da prática do crime previsto no artigo 153, par. 1º-A, do Código Penal,com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal; (ii)nego provimento ao recurso ministerial.

LAERTE MARRONE Relator

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