trump

Da FOLHA

Por CLOVIS ROSSI

Gideon Rachman, colunista do “Financial Times”, terminou seu texto de balanço do Fórum de Davos-2016 com uma aterradora lembrança: o fórum de 2017 pode se realizar com um certo Donald Trump como presidente dos EUA.

Não sou só eu quem se assusta com essa possibilidade: em dezembro, a Quinnipiac University saiu pelos EUA perguntando se ficariam envergonhados se Donald Trump fosse o presidente.

Cinquenta por cento responderam que sim, ficariam envergonhados. (No caso de Hillary Clinton ganhar a Presidência, os envergonhados seriam apenas 35%.)

A revista “The Economist”, no número que começou a circular na quinta-feira (28), escreve com aquela rude franqueza com que toma posições a respeito de eleições alheias:

“Nem Mr. Trump nem Mr. Cruz [Ted Cruz, o segundo colocado nas pesquisas entre os candidatos republicanos] oferecem coerência na economia ou políticas ajuizadas. Nenhum deles passa no teste de caráter”, diz a publicação.

Acrescenta Peter Wehner, republicano desde que começou a votar, em 1980, e que trabalhou com os dois Bush presidentes:

“Há muitas razões para se abster de votar por Trump, se ele for indicado, começando com o fato de que seria o mais desqualificado presidente da história americana”. Uau.

À primeira vista, portanto, Trump pode até ganhar as primeiras primárias -nesta segunda-feira (1º)- em Iowa, mas parece suicídio para os republicanos escolhê-lo como candidato ao fim do longo processo de seleção, certo?

Gostaria que fosse certo. Tudo o que o mundo dispensa no momento conturbado que vive é um presidente machista e preconceituoso na nação mais poderosa do planeta, incapaz de “distinguir a Quds Force [unidade de elite iraniana] dos curdos”, como ironiza o citado Peter Wehner.

Começo a temer, no entanto, que a sabedoria convencional que dá Trump como inelegível possa estar equivocada.

Primeiro, porque Trump -escreve Demetri Sevastopulo no “Financial Times”- conseguiu ser visto como “um não político que desafiará um sistema político que não mais trabalha para as pessoas comuns”.

Mais do que “não político”, Trump se apresenta como antiestablishment, o que é uma falácia tão imensa quanto Fernando Collor apresentar-se como “caçador de marajás” (e Collor ganhou a eleição, montado nessa mentira).

Recente pesquisa do Pew Research Center mostra uma impressionante queda na porcentagem das pessoas que confiam no governo em Washington: de quase 80% nos anos 60 e 70, foi para meros 20% agora.

É enorme, portanto, a cesta de votos que Trump pode caçar, ainda mais que todos os seus principais adversários, republicanos ou democratas, são gente de Washington.

Há mais, no entanto: Trump fala aos medos dos americanos. Usa um boné com a frase “Fazer a América grande de novo”, com o que acena a uma sensação difusa, mas disseminada, de decadência (sensação sem muita base factual, diz a “Economist”, mas fígado e cérebro raramente conversam).

Deixar que o medo vença uma eleição falará muito mal dos Estados Unidos.

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