Do LE MONDE*

Dois anos após a queda do ex-presidente egípcio, Hosni Mubarak, no dia 25 fevereiro 2011, Porto Said (pacata cidade portuária de 750 000 habitantes, situada na entrada do canal de Suez) se transformou na ponta de lança da contestação contra o atual governo do Egito.

A cidade é palco de constantes manifestações violentas depois da condenação a pena de morte, no dia 26 janeiro último, de 21 torcedores do clube local, Masry SC, acusados de terem matado um ano antes, 74 pessoas, durante o jogo contra o clube do Cairo Al-Ahly.

Inconformados com o veredito, milhares de pessoas foram às ruas causando violentos confrontos com a polícia. Mais de 40 pessoas foram mortas. Denunciando a truculência da policia do presidente Mohamed Morsi, os habitantes de Porto Said lançaram, no dia 17 de fevereiro, uma campanha de desobediência civil exigindo a demissão imediata do presidente egípcio e seu governo. Esta nova forma de mobilização está inspirando aos poucos outras cidades. Há alguns meses, vários locais estão sendo o palco de manifestações hostis contra o presidente islamista, acusado de tomar o poder e não cuidar dos problemas sócias e econômicos do país.

O drama de Porto Said

No dia 1 de fevereiro de 2012, a pacata cidade portuária protagonizou incidentes sangrentos durante o jogo do Al-Masry contra o clube do Cairo Al-Ahly, totalizando 74 mortes e milhares de feridos. Os confrontos explodiram no final do jogo quando o time local vencia o Al-Ahly por 3 a 1. Vale lembrar que o time do Cairo é maior time do Egito.

No final do jogo, torcedores do Masry de Porto Said invadiram o campo perseguindo os jogadores da equipe adversária. Acuados pelas pedras arremessadas, garrafas e fogos de artifício, os jogadores do Al-Ahly se refugiaram no vestiário. Os torcedores do Cairo também desceram até o gramado, provocando uma sangrenta batalha campal por mais de uma hora. Dezenas de pessoas morreram esmagadas, pisoteadas, atingidas por projeteis ou estranguladas entre o gramado e os corredores do estádio.

A incapacidade da polícia em manter a ordem foi uma das principais críticas. Os torcedores e os jogadores do Ahly acusaram a polícia de terem encorajado a briga deixando a torcida adversária invadir o local destinado aos visitantes.

Eles denunciaram a passividade da polícia que, segundo eles, não aplicaram os procedimentos habituais de segurança. As autoridades egípcias e o chefe supremo das forças armadas (CSFA) foram duramente criticados.

No último dia 13 de fevereiro, uma Comissão parlamentar de inquérito estabeleceu a responsabilidade da policia egípcia nos confrontos. Segundo o jornal do governo Al-Ahram, a polícia teria subestimado a possibilidade de um confronto no estádio de Porto Said.

O processo que ascendeu o barril de pólvora

Em abril 2012, foi aberto um processo contra 73 pessoas acusadas de assassinato premeditado. Este processo condenou a pena de morte 21 torcedores do clube de Porto Said. O veredito sobre os outros envolvidos na tragédia será publicado no próximo dia 9 de março.

A condenação a pena capital dos 21 torcedores do clube de Al-Masry desencadeou uma enxurrada de violência na cidade. Ninguém em Porto Said acredita na responsabilidade exclusiva dos torcedores do clube da cidade e o número excepcional das condenações alimentou ainda mais a raiva. Muitos egípcios estão convencidos de que as brigas durante o jogo de Porto Said foram orquestradas pelas forças policias ou pelos simpatizantes do presidente desposto Hosni Mubarak.

Os habitantes da cidade se sentem bode expiatório, e culpam o poder e a justiça de terem condenado exageradamente estes torcedores locais com o objetivo de evitar a raiva dos “ultras” do clube de Al-Ahly do Cairo. Estes últimos asseguram que a grande maioria dos mortos do ano passado pertenciam à torcida. Elas ameaçaram promover o caos na capital e em outros lugares do país se o julgamento de seus rivais for muito clemente.

Logo após o veredito, vários afrontamentos eclodiram entre as forças de ordem e manifestantes, provocando a morte de quarenta pessoas. No dia seguinte, novos confrontos eclodiram durante os funerais, os quais foram acompanhados por dezenas de milhares de pessoas, fazendo sete mortos. Rasgando elogios à intervenção da polícia e criticando os “bandidos” que originaram a onda de violência, o presidente Morsi declarou, domingo 27 de janeiro, estado de alerta em três cidade do canal de Suez – Porto Said, Suez e Ismaïliya, acompanhado de um toque de recolher noturno, por um período de 30 dias.

Criticado pelo uso excessivo da força, a polícia se retirou da cidade e o Exército foi convocado para proteger os edifícios públicos e as instalações estratégicas como o Canal de Suez. Apesar do cessar fogo, as manifestações continuaram durante alguns dias, misturando a hostilidade contra o poder islâmico e a ira em relação a pena de morte aplicada aos torcedores do clube local.

O apelo a desobediência civil

No dia 17 de fevereiro, milhares de manifestantes esvaziaram os edifícios públicos – escola, bancos e usinas –, pedindo uma desobediência civil contra o presidente Morsi e a Irmandade muçulmana e reclamando justiça para as 40 pessoas mortas em janeiro. Algumas passeatas reuniram centenas de manifestantes, entre os quais, vários “Green Eagles”, torcedores organizados do time Al-Masry. Os “Green Eagles” denunciam o fracasso do Ministério do interior e do Exército em impedir o massacre e pedem uma indenização para as famílias das vítimas e um novo processo para os 21 condenados no caso do jogo de Porto Said.

Nos dias seguintes, a greve foi aprovada pela maioria das usinas e dos escritórios governamentais. Os manifestantes, que conseguiram fechar o porto por alguns dias, foram novamente chamados de bandidos pelo presidente egípcio. Mohamed Morsi prometeu investigar a morte de 40 pessoas de Porto Said em janeiro deste ano.

Para responder as criticas de marginalização das cidades do canal, o presidente prometeu investir 400 milhões de libras egípcias (44,4 milhões de euros) e apresentar uma lei para restabelecer uma zona franca na região.

No sábado 2 de março, novas manifestações ocorreram e um homem foi morto e outro ferido quando um caminhão da polícia avançou em cinco manifestantes.

Cerca de 500 manifestantes incendiaram em represália uma delegacia da cidade com coquetéis molotov.

Enquanto que Porto Said entrava, no domingo 3 março, em sua terceira semana de greve parcial, uma nova onda de violência tomou conta da cidade portuária. O veredito, esperado no sábado 9 de março, contra os oficias da Policia e dos responsáveis locais julgados no caso do jogo de Porto Said alimentou as tensões. A decisão do ministério do interior de deslocar da cidade 39 prisoneiros ligados ao caso desencadeou novamente novos conflitos. Na noite, cerca de 500 manifestantes enfrentaram a tropa de choque com pedras e coquetéis molotov. A policia respondeu com gás lacrimogênio e tiros.

Três mortos e dois membros da tropa de choque morreram e mais de 400 pessoas foram feridas, nestes confrontos que seguiram na última terça-feira. Milhares de pessoas participaram, segunda, dos funerais de três manifestantes, mortos pelo exército. Centenas de moradores de Porto Said pediram simbolicamente de preencher formulários pedindo a renuncia do atual presidente, solicitando o exército para “comandar” o país.

*Tradução de Xico Malta

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