Da “ÉPOCA”

Por EUGÊNIO BUCCI

Os jornalistas e suas perguntas são ingredientes dispen­sáveis na democracia brasileira.

Foi essa a maior revelação dos debates de TV entre os candidatos no segundo turno nas eleições municipais.

Jornalistas, quando apareceram, fizeram o papel de mestres de cerimônia. “Agora, com a palavra o candidato A.” Ou, na expressão máxima do poder da imprensa: “Vamos agora para um rápido intervalo”.

O incrível, o notável, o admirável desse segundo turno é que a imprensa, convidada a ficar de fora dos debates na TV, foi obrigada a aceitar. E isso por acordos expressos, preto no branco, que as emissoras são forçadas pelos partidos a assinar.

Uma rendição compulsória, baseada num princípio absurdo, um antiprincípio, segundo o qual o debate público numa democracia pode ir muito bem, obrigado, desde que as perguntas de repórteres fiquem do outro lado da rua.

Ingressamos assim na admirável nova democracia, no admirável mundo novo sem imprensa.

A ombudsman da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, registrou o incômodo em sua coluna de domingo passado, dia 21 de outubro, ao comentar o debate da Band, entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad e José Serra.

O mediador, Boris Casoy, cumpriu funções meramente robóticas. “O brilhante Boris Casoy poderia ter sido substituído pela Gisele Bündchen” escreveu Suzana, “já que seu papel era apenas dizer Haddad pergun­ta”, “réplica do Serra” e “silêncio na plateia, por favor”.”

Ela tem razão, mas o quadro é pior ainda, bem pior. Não há Gisele que dê jeito, por mais pneumática que seja.

Por todo o país, com raras exceções, foram monólogos emparedados, monólogos de dois falando sozinhos.

É verdade que, nos debates da Band em Campinas e Salvador, jornalistas fizeram perguntas. Mas não tinham direito a questionar as evasivas com que os políticos, habitualmente, escapam às indagações.

Os debates da TV Globo, marcados para o dia 26 de outubro, ainda não tinham ido ao ar quando esta coluna foi fechada, mas o jornalismo já tinha sido desativado previamente.

Em São Paulo, no contrato assinado com os partidos, está escrito: “O mediador não fará qualquer crítica direta ou indireta aos candidatos, seja verbalmente, seja com expressões ou gestos. E também não poderá emitir opinião pessoal nem juízo de valor sobre qualquer dos candidatos ou suas respostas”. Ora, mais fácil deixar tudo a cargo do técnico de som.

Nos Estados Unidos, que inspiraram o modelo da televisão brasileira, uma situação como essa é impensável.

Lá, quem organiza os debates presidenciais é uma comissão bipartidária, que escolhe os mediadores. Os partidos não repelem a imprensa. Os mediadores selecionados não são robôs, mestres de cerimônia ou técnicos de som. São jornalistas independentes, de alta credibilidade. Ao mediador cabe cuidar das perguntas, controlar o tempo e, principalmente, exigir respostas claras (pelas regras deste ano, os candidatos não podem se interpelar diretamente).

Foi o que explicou a jornalista Candy Crowley, da CNN, encarregada de mediar o encontro dos candidatos Barack Obama e Mitt Romney em 16 de outubro, na Universidade Hofstra: “Meu objetivo é dirigir a conversa e garantir que as perguntas sejam respondidas”. Se um dos candidatos divaga, vai para o mundo da lua e ignora a pergunta, ela cobra clareza e objetividade.

Nos Estados Unidos, quando o presidente da República pretende dizer algo à nação, convoca uma coletiva de imprensa (que, vamos lembrar, inclui repórteres) ou vai ao Congresso. Aqui, o presidente contrata um marqueteiro, lança uma campanha publicitária (paga) nos meios de comunicação e convoca uma rede obrigatória de rádio e televisão. Jornalistas para quê?

A consequência está na cara: a cultura política no Brasil não quer mais dialogar com a imprensa, para prejuízo do direito do eleitor de estar bem informado sobre o que vai na cabeça dos governantes.

Os debates entre os candidatos viraram esse jogral de surdos, uma extensão mecânica do horário eleitoral. Os rivais estão ali, frente a frente, mas é como se não estivessem, ou, pior, é como se estivesse cada qual no seu palanque. Falam o que bem entendem, não respondem a coisa nenhuma, e fica tudo por isso mesmo. Perdemos até o direito de ter alguém diante deles para levantar a mão e reclamar:

– Espera aí, seu doutor, eu não entendi direito. ?

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