Uma explosão de brasilidade

Por SÓCRATES

Convivendo lado a lado em todos os sonhos do povo brasileiro, se encontram o futebol, a musicalidade, o carnaval e a esperança de um futuro alegre, despreocupado e justo.

Nos dias de folia podemos acompanhar ao extravasamento de nossos melhores sentimentos, nesta festa que é tão a nossa cara que chega a se confundir com tudo o que nós somos.

Não existe nada comparável ao nosso carnaval – na alegria contagiante, no grau de mobilização, participação e na sua essência social e cultural através das músicas, dos enredos e dos protestos.

Três grandes polos da folia carnavalesca atraem multidões de toda parte do mundo:

Pernambuco se caracteriza pelo frevo, enfeitado por umbrelas coloridas e imensos bonecos como estandartes.

Nem no último dia oficial – Quarta-Feira de Cinzas – se preserva alguma coisa, pois um de seus blocos mais tradicionais escolheu este dia para desfilar toda a sua irreverência.

Este ano estaremos novamente acompanhando o chamado “maior bloco de carnaval do mundo”, o Galo da Madrugada, que é na verdade o encontro dos inúmeros blocos que nascem do coração dos pernambucanos – que como ninguém, vivem o carnaval.

E não tenho dúvidas de que novamente me encantarei com as suas cores e a sua essência absolutamente liberta e independente.

Na Bahia, ele nunca termina, quando arrefece, está descansando.

Terra de Jorge Amado, nosso maior cronista, os baianos inventaram um jeito todo especial para seu carnaval.

Os trios elétricos, nascidos com Dodô e Osmar, e perpetuados por centenas de bandas que passam o ano inteiro a exportar esta forma de ser, são a mais pura expressão do jeito baiano de ser, com muita festa e pouca pressa.

Tive a oportunidade de acompanhar o Chiclete com Banana em plena performance, sobre uma dessas carretas de puro som e fiquei impressionado com o apelo popular que sua música provoca.

Os chicleteiros, como são chamados os fãs da banda, formam uma comunidade imensa que acompanha os seus ídolos onde estes estejam; em Fortaleza, Aracajú ou no interior de São Paulo.

Bell, o líder do grupo, comanda o público com muito discernimento e carisma o que o faz o grande nome do axé – como é conhecido o ritmo que entoam.

Estar junto a eles me fez recordar vários momentos semelhantes que tive o privilégio de vivenciar em muitos estádios por este mundão afora.

A multidão se acotovelando em busca de espaço para dançar e para acompanhar aquele som mágico é muito parecida com a que comparece a uma final de campeonato para vibrar com seu time, a diferença é que aqui todos são vencedores.

Inventaram também o carnaval fora de época, chamando-o de antecipado quando vizinho ao oficial e de micareta quando não, possibilitando que outras localidades e um número maior de pessoas pudessem ouvi-los sem competir com Salvador.

Já o Rio de Janeiro é berço do samba e de suas tradicionais escolas.

O desfile na Marquês de Sapucaí é um espetáculo fantástico, imperdível e inesquecível onde milhares de pessoas- desfilam os sonhos e a labuta de todo um ano.

Seus enredos dissertam sobre a história, cultura, imaginário e política, tornando-se um verdadeiro meio de comunicação de massa para expressar os sentimentos de nosso povo.

O futebol está presente em cada passo dado por um sambista; harmonia e evolução representam a unidade tão comentada e valorizada nos esportes coletivos; camarotes têm motivos e decoração com o tema e uma gigantesca bola imaginária sempre invade a avenida como que homenageando o país do futebol e do samba, que tanto se infiltraram em nossos corações que deles já não podemos prescindir.

São Paulo, no entanto, que um dia foi vista como túmulo do samba pelo poeta Vinicius de Moraes, muitas vezes chega a se equiparar ao Rio de Janeiro em seus desfiles anuais.

Não em riqueza ou esplendor, mas sim em alegria e mobilização popular.

Principalmente quando está na avenida a grande representante do dueto futebol e carnaval: Os Gaviões da Fiel.

Alguns anos atrás estive com eles no desfile do grupo de acesso — uma espécie de segunda divisão do samba — e uma multidão tomava conta das arquibancadas sem se importar se era ou não o grupo principal.

Senti-me como em um clássico com estádio pleno; uma explosão de alegria contagiante, uma paixão incomparável.

Neste ano, então! Centenário do clube que representa, a festa será inesquecível e lá nos encontraremos.

Embora saibamos que não se vive só de festa, esperamos que esta explosão de brasilidade persista para sempre em nossa cultura, que estimule o resgate da cidadania e que possibilite mais justiça social.

Para tanto necessitamos desta vontade de viver para que possamos rapidamente mudar o que é preciso.

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