Da FOLHA DE SÃO PAULO

Por JUCA KFOURI

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Quantos homens públicos neste Brasil renunciaram ao poder e às mordomias por questão de princípios?

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NÃO CONHECI Osiris Lopes Filho, que morreu na quinta-feira passada, aos 69 anos. Falei com ele só uma vez e por telefone, para convidá-lo a participar de um programa de entrevistas que eu tinha na televisão. Corria o ano de 95 e seu gesto de renunciar ao posto de poderoso secretário da Receita Federal já fazia parte da história.

Inconformado com a liberação do que ficou conhecido como “voo da muamba” da seleção brasileira tetracampeã, Osiris Lopes Filho preferiu se demitir e honrar o nome de seu pai e o que deixou aos filhos. Como recordar é viver, recordemos, recorrendo ao texto de abertura da estupenda reportagem feita por Fernando Rodrigues, nesta Folha, quando a seleção deixava os EUA: “A seleção chega hoje às 7h em Recife com uma bagagem cheia de equipamentos eletroeletrônicos. Time e comissão técnica compraram nos EUA geladeira, máquina de lavar, videocassete e sela para cavalo. A Folha acompanhou o embarque de toda a bagagem da seleção. Foram necessários dois caminhões e seis caminhonetes.

“Primeiro seriam dois caminhões com carroceria de cinco metros. Depois, mandamos vir um maior, com carroceria de oito metros, pra poder caber tudo”, disse Gilbert Hayes, funcionário dos organizadores da Copa encarregado de dar apoio à delegação brasileira. “Acompanhei os suecos e os americanos. Posso dizer tranquilamente que os brasileiros têm o maior volume de bagagem”, disse Hayes à Folha. Muitos volumes não apresentavam identificação.”

Leia, agora, o que dizia a reportagem de Leonardo Souza, 14 anos depois, também nesta Folha, sobre uma das consequências daquela farra: “Passadas três Copas, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, teve sua primeira derrota definitiva na Justiça num dos processos relacionados ao “voo da muamba”, quando a seleção trouxe dos EUA 17 toneladas de bagagens e compras após a vitória na Copa. (…) Teixeira é acusado de ter transportado ilegalmente equipamentos para sua choperia El Turf. (…) No mês passado, Teixeira perdeu em última instância, no STJ. (…) O auditor Sá Freire disse que a “fraude fiscal” cometida por Teixeira foi comprovada quando, em 1995, o presidente da CBF fez uma importação de novo equipamento para a choperia, cuja fatura comercial informava o peso da mercadoria em 1.480 quilos.

Porém a Infraero havia pesado equipamento com 886 quilos. “Essa diferença [de peso] foi para encobrir o equipamento trazido ilegalmente no voo da seleção”, disse Sá Freire. A Receita Federal deixou de arrecadar ao menos US$ 1 milhão em impostos (…). Diante dos funcionários da Receita, Teixeira ameaçou devolver as medalhas de condecoração que os atletas haviam recebido do então presidente Itamar Franco. O secretário da Receita Federal à época, Osiris Lopes Filho, que orientara os funcionários da alfândega a realizar a fiscalização de praxe (que prevê a taxação de valores acima de US$ 500), demitiu-se pelo episódio.”

Osiris Lopes Filho, ao menos, não terá de ver a Copa-14 no Brasil, comandada pelo mesmo cartola.

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