Por VLADIR LEMOS

http://blogdovladir.blogspot.com/

Na semana passada usei esse espaço para falar de algo diferente. Fiquei surpreso com o entusiasmo de algumas pessoas, que mais do que gostar do artigo, elogiaram o fato de eu ter escolhido um tema pouco comum. Por isso, seguirei deixando de lado coisas que têm me incomodado muito e que gostaria de dividir com os leitores, como o preço dos ingressos do Campeonato Brasileiro que, sorrateiramente, subiu seis vezes mais do que a inflação no último ano, ou a reeleição do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, que convocou uma assembléia às pressas, com presidentes de confederações entrando pelas portas dos fundos de um hotel no Rio de Janeiro. Coisa de deixar muita gente de cabelo em pé.

Mas o tema que escolhi, infelizmente, não poupará vocês dos arrepios. Falo de uma cena registrada no Parque Antártica durante a partida entre Palmeiras e Atlético Mineiro. Um torcedor, sem camisa, está sentado na mureta que separa a arquibancada do fosso que circunda boa parte do estádio. Seu olhar sugere embriaguez ou, melhor, aquele estado de total falta de reflexo que costuma acometer os que deixam de lado a quase ingênua sugestão dos anúncios de bebidas alcoólicas, o tal “beba com moderação”.

Lá ele ficou durante um bom tempo, sob dezenas de olhares repletos de deboche ou descaso. Não por acaso aquele homem caiu. Uma queda assustadora, sem movimento algum que pudesse sugerir uma reação ao acontecido. Caiu e ficou, de rosto virado pro chão, cercado de alguns poucos curiosos. Saiu de cena numa maca. Carregado sem muita pressa. Sugerindo a falência das nossas regras e do nosso comportamento. Não houve quem o alertasse, não houve quem lhe sugerisse o perigo, não houve policial que o enquadrasse, não houve organizador que se preocupasse. Não houve nada, só um evidente final trágico.

E lá estava a lente de uma câmera de televisão, sugerindo que acreditar que a lei que impede a venda de bebidas alcoólicas nos estádios funciona – ou faz os torcedores se apresentarem nas arquibancadas de cara limpa – é algo tão sem fundamento quanto acreditar que iremos diminuir a miséria distribuindo nossas moedas por aí.Mas o que eu queria mesmo dizer, diz respeito a condição do cinegrafista.

Quantos momentos dramáticos você já não viu pela TV, sem nem mesmo se lembrar que ali estava um profissional da imagem, aceitando dividir riscos para revelar aos outros parte da realidade? Certa vez, cobrindo um grande rally, depois de andar doze quilômetros carregando equipamentos por uma estrada de terra, paramos pouco antes de uma curva. Pela primeira vez na história da competição alguém iria filmar um capotamento. Ninguém se machucou.

Mas os pilotos, claro, pediram ajuda. Descemos o barranco e fomos até lá dar uma força. Nosso cinegrafista, não. Um dos competidores não suportou a situação e disparou para o câmera, irado:

_ Larga essa porcaria.

A resposta foi seca e profissional:

_Você não é pago pra dirigir? Então, eu sou pago pra filmar.Faz o teu trabalho que eu faço o meu.

É preciso anos de estrada, e muita frieza, para lidar com situações assim. Às vezes, o sentimento fala mais alto, não tem jeito. Muito do que já vimos, só vimos porque alguém, em algum lugar, numa situação limite, foi capaz de lidar com isso.

Pense a respeito. Mas lembre que só um profissional da imagem pode ser absolvido por essa omissão.

 

* artigo escrito para o jornal “A Tribuna”, Santos

Facebook Comments