Inversão de valor

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=2081

Por SÓCRATES

Mais de uma vez coloquei a necessidade de utilizar todas as ferramentas possíveis para que uma equipe de alto rendimento possa atingir plenamente os seus objetivos. A nossa seleção feminina de vôlei deu uma demonstração do quão importante é ter essa visão objetiva e racional.

Em 2004, na semifinal das Olimpíadas de Atenas, as jogadoras tiveram a vitória nas mãos no final do quarto set e não conseguiram fechar o jogo. Até então, apresentavam um vôlei impecável, mas bastou que o jogo se tornasse mais difícil para que as alterações emocionais se estabelecessem e complicassem tudo – provocando um tipo de convulsão coletiva. A partir daí nada deu certo. Com a instabilidade e até com certa apatia por boa parte das jogadoras, como se não pudessem enfrentar as adversárias, os erros se sucederam em profusão. Não houve mais jogo de um lado da quadra e a vitória das adversárias ocorreu com facilidade.

A solução era clara: seria fundamental que se contratasse em período integral (e não ocasionalmente) uma boa psicóloga para oferecer às jogadoras respaldo nesse quesito. Nos últimos meses, a equipe deu uma demonstração de como tudo mudou, e para muito melhor, que o diga a medalha de ouro que todas têm no peito. Venceu e convenceu ao conquistar o título do Grand Prix e o próprio torneio olímpico, ganhando com facilidade de todas as adversárias.

A causa dessa mudança de atitude certamente está relacionada aos cuidados tomados nos preparativos anteriores a essas importantes competições, incluída a preocupação com o ciclo menstrual de nossas jogadoras, e a presença de uma psicóloga, Samia Hallage, no convívio diário com o grupo. Seu trabalho forneceu às atletas elementos para acreditar em seus talentos e perder o medo de vencer – o primeiro passo para se fazer um time campeão. Elementar? Não para nossos cartolas, que desconhecem, literalmente, o que quer que seja do esporte competitivo.

Eles colocaram empecilhos que impediram o pleno contato da profissional com suas atletas ao não lhe oferecer a oportunidade de ter pleno acesso à vila olímpica. Como se o seu trabalho fosse absolutamente supérfluo e desnecessário. O que também se fez com nosso saltador em altura, que se viu impedido de ter seu técnico pessoal ao lado; o único, aliás, entre todos os concorrentes.

Parece até que a presença dessas figuras cartoriais, insossas e incompetentes é, para nossos atletas e para todos os que amam o esporte tupiniquim, mais importante que a presença de treinadores, fisioterapeutas, psicólogos e os demais especialistas que tentam, sem qualquer apoio, torná-los estrelas de primeira grandeza. Uma absurda inversão de valor que é a cara do esporte brasileiro. O péssimo resultado olímpico nada mais é que conseqüência dessa insustentável realidade.

Questão de lógica Uma brutal diferença entre o futebol de ontem e o de hoje é a forma como se busca chegar à vitória. Para vencer o adversário, era fundamental que uma equipe se preparasse para ser melhor que o oponente e apresentasse um jogo bonito e de belas jogadas para envolver o rival e, assim, estar sempre perto do objetivo. Quando, mesmo assim, o resultado fosse a derrota, entendia-se como um acaso daqueles que o futebol pode nos oferecer. Ou seja, um acidente de percurso.

Hoje, não. Só se pensa em ganhar a qualquer custo. É claro que esse tipo de conceito não surgiu de uma hora para outra. No decorrer dos anos, desde que o futebol aqui chegou, gradativamente as preocupações defensivas foram se impondo. Nos primórdios, jogava-se com apenas três zagueiros. Logo os defensores se tornaram quatro, até chegar aos dias de hoje, quando não muito raramente equipes jogam com apenas um atacante.

E isso fica muito claro quando aquilo que pareceria um absurdo algumas décadas atrás se torna realidade recorrente do contexto atual: bons jogadores e até craques incontestáveis mofam no banco de reservas de seus clubes para que brutamontes destruidores entrem em seus lugares.

Jogadores limitados, que jamais chegariam à seleção, hoje são titulares e muito valorizados por quem os escala. Muito dessa postura se deve ao medo de se expor. O treinador se esconde da realidade na escolha de jogadores que têm como única característica evitar o jogo do oponente.

Inconscientemente ou não, o técnico opta por jogar feio, porque assim fica mais fácil explicar uma derrota e não precisa mostrar que conhece futebol o suficiente para fazer jogar bem uma equipe. Mas, quando a coisa aperta, resgata a filosofia esquecida. Como a seleção brasileira em Santiago, domingo passado.

Facebook Comments