Sentimentos olímpicos

Por SÓCRATES

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Estamos começando mais uma Olimpíada. Esta, de Pequim, com ares de monumental. Quando vemos as imagens do Estádio Olímpico, não podemos deixar de nos emocionar com esta pérola da arquitetura moderna. O Ninho de Pássaro, como é chamado, é de uma grandiosidade e beleza que mexem com os nossos sentimentos, muitos dos quais nem mesmo sabíamos ter em relação ao esporte. Sentimentos mantidos em estado letárgico, à espera do início de um novo espetáculo. São aqueles que nos prendem à beleza do esporte e à busca do homem em suplantar os seus limites, mas também aqueles que representam os nossos sonhos quanto às relações humanas.

Quando vemos milhares de indivíduos, talvez envenenados pelo chamado espírito olímpico, se abraçarem sem distinção de cor, credo ou qualquer outra coisa, sorrindo incontidamente e olhando para o céu estrelado que os acompanha, não podemos deixar de suspirar, por um instante que seja, por um mundo melhor, mais fraterno e eternamente em paz.

Quando observamos os olhares de todos os que assistem ao acender da chama olímpica, percebemos muito de esperança. Esperança que não será concretizada na vitória de um ou outro atleta, até porque ninguém ali está envolvido só com indivíduos ou bandeiras, e sim com a humanidade. Concreto é o sonho coletivo de melhoria das condições de vida de todos que habitam o planeta. Diferentemente da lógica atual, que a todos impõe uma postura individualista em que se vê exclusivamente o próprio umbigo, abandonando a solidariedade em uma sarjeta qualquer de uma região degradada, como um indigente a ser pisoteado por qualquer um, e que vira o rosto a um pedido de ajuda e ao sacrifício de lutar por uma sociedade mais justa e racional.

Nos Jogos, lutamos contra as nossas limitações e não contra os nossos semelhantes. Quando assistimos a um maratonista exausto lutar até o limite de suas forças para chegar ao final da prova, mesmo que em último lugar, nos damos conta de que os valores humanos não morreram. Estão desvalorizados, é certo, porém nem por isso devem ser desprezados. Quando um ginasta mancando resiste à idéia de abandonar a competição, ele nos dá mostra de que devemos acreditar até o fim, ainda que sejamos frágeis demais para enfrentar alguns obstáculos. A Olimpíada, nos dias de hoje, é um dos raros momentos em que podemos acreditar que o ser humano pode ser melhor do que aquilo que demonstra. Ainda que esteja sendo realizada em um país que está destruindo seu vizinho Tibete.

Túlio Maravilha

Túlio Humberto Pereira da Costa, o Túlio Maravilha, é uma figura das mais interessantes no meio futebolístico. Com quase 40 anos, continua em atividade, defendendo as cores do Vila Nova, de Goiás, na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. É, surpreendentemente, o atual artilheiro da competição, com uma média de gols por partida de dar inveja aos mais jovens pretendentes ao estrelato. Já jogou em quase três dezenas de equipes, inclusive na Hungria, Suíça e Bolívia. Defendeu times díspares, como a Seleção Brasileira, Corinthians, Botafogo carioca, Fast do Amazonas e Canedense de Goiás. Sua vida profissional, nos últimos tempos, tem se caracterizado por uma eterna procura em busca do milésimo gol, não importando o peso da camisa que veste. Sempre com inigualável humor, próprio de quem se realiza naquilo que faz.

Túlio faz parte de uma estirpe de jogadores que, além do sucesso em sua profissão, chama a atenção por suas manifestações públicas, sempre bem-humoradas e caracterizadas pela criação de jargões que muitas vezes se tornam populares. Como certa vez em que ele fez um gol de calcanhar, diante do gol do adversário aberto e indefeso, tendo esse gesto jocoso sido avaliado como agressivo e desrespeitoso aos oponentes.

Sem se importar com a opinião alheia, ele titulou o fundamento como “Tuleta”, em clara alusão ao próprio nome. Essa forma de autopromoção foi utilizada em larga escala por atletas de diferentes gerações, como Dario (autodenominado Rei Dadá), na década de 70, que dizia que só havia três coisas que paravam no ar: helicóptero, beija-flor e ele, para caracterizar sua habilidade no cabeceio. Ou Romário, que, até ontem, não perdia uma chance de chamar a atenção da mídia. Essas raras personalidades são oásis em meio a uma chatice sem tamanho que vemos hoje na comunicação dos artistas da bola com seu público. A alegria e o despojamento associados à irreverência tornam mais leves os nossos dias, promovendo bem-estar e qualidade de vida. Quem dera se todos fossem assim.

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