Aqui se faz, aqui se paga

Por Sócrates

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Há quase um ano, quando novamente os dois mais importantes jogadores brasileiros foram para a reserva da seleção, eu escrevi: “Mais uma vez Kaká e Ronaldinho foram colocados no banco de reservas.

Portanto, fico inclinado a discutir novamente um tema muito importante para o futuro da seleção brasileira.

Não sei se a atual comissão técnica de nossa equipe está atenta às conseqüências de suas decisões em relação a estes jogadores, pois elas poderão ser dramáticas.

Com a opção de colocá-los na reserva, ela agride um preceito básico da governança corporativa: o mérito.

Quem desrespeita esta lógica vê transformado em cinzas o seu comando, pois a inteligência de todos é desvalorizada e a intriga se estabelece.

O fato desagrada e muito aos dois atletas, além de constranger os substitutos.

É fato mais do que conhecido que os dois são estrelas de primeira grandeza no futebol mundial e mais do que ninguém os que entraram em seus lugares o sabem.

Sabedores da própria limitação frente aos dois craques os substitutos se encolhem, não produzem o que sabem nem o que é necessário para a equipe.

No futuro, a sensação de surpresa se acentuará, pois fatalmente os dois terão seus lugares resgatados e as atitudes de agora se tornarão ainda mais incompreensíveis.

Quem é que consegue manter a liderança de um grupo se este já não acredita em suas decisões?

É este o quadro que vejo um pouco mais à frente, o que, convenhamos, não será nada bom para a campanha das Eliminatórias.

Que as rusgas sejam aparadas rapidamente, para que não soframos para chegar à classificação”.

Hoje se vê que, sem os dois, os adversários se agigantam.

Quando atuei no Botafogo de Ribeirão Preto, uma das características do nosso time ao jogar na capital contra os “grandes” era um enorme respeito pela superioridade deles. Isto se manifestava na nossa forma de jogar: recuada, assustada, apequenada.

Esse comportamento, é claro, já nos preparava de antemão para a derrota, o que acontecia em quase todas as ocasiões.

Mudar essa filosofia nunca é fácil e só conseguimos quando nos demos conta de que estávamos no mesmo nível desses adversários.

Ao chegar ao Corinthians, o inverso era verdadeiro.

Os oponentes é que tinham exagerado respeito pela nossa camisa, mesmo quando tínhamos capacidade técnica limitada.

Isso nos oferecia uma vantagem psicológica enorme para sempre buscar a vitória, o que nos permitia lutar por títulos.

Pouco tempo depois, estreei na seleção brasileira e a sensação de que os adversários nos respeitavam em demasia era maior ainda – exceto Argentina e algumas equipes européias.

Acompanhando o jogo Brasil e Paraguai, no domingo, o que mais me assustou foi a nossa seleção ter sido atropelada pelo adversário e, pior, com uma falta de respeito inimaginável no nosso tempo.

O time pequeno agora é o nosso.

Uma absurda inversão de valores a ser compreendida, pois há tempos o nosso time é fraco e incapaz de enfrentar dificuldades, quando elas se apresentam.

E o treinador ainda briga com Kaká e Ronaldinho.

É insano.

Depois de perder de forma inapelável para o Paraguai, esperava-se mais da seleção brasileira contra a Argentina na quarta-feira no Mineirão.

Mineirão que se engalanou para receber mais uma vez o escrete nacional com um olho na popularidade do governador e nas próximas eleições presidenciais e outro na disputa pelo jogo inicial da Copa de 2014.

Mas de nada adiantou o traje de gala do estádio mineiro.

O time brasileiro realizou um jogo morno e previsível, com claro objetivo inicial de não perder antes de buscar a vitória.

Vitória que até poderia ter acontecido, já que a Argentina sofria do mesmo mal de seus anfitriões.

Porém a falta de maior confiança impediu o fato.

Para quem falava em mudança de atitude, como o treinador brasileiro, até que o comportamento do time em relação ao jogo anterior foi melhor: um pouco mais maduro, ainda que inconsistente.

Mas só isto não basta para quem já foi o melhor futebol do mundo.

É necessário investir em criatividade, alegria e liberdade para tentarmos resgatar a nossa credibilidade no mundo do futebol.

E isso só acontecerá se trouxermos de volta nossos grandes craques, como Kaká, Ronaldinho e Alex.
Entretanto, esse fato me parece distante, pelo simples motivo de que não há clima (até aqui, ao menos) para que ele se dê.

Seja pela resistência do treinador, seja pela intolerância dos jogadores.

E os motivos estão acima citados.

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